sexta-feira, 16 de março de 2012

Aindra Dasa: Ainda Vive em Som


Aindra Dasa: Ainda Vive em Som
Por Madhava Smullen para ISKCON News em 24 de Julho de 2010



[Tradução: David Britto 29/12/2010]
Email: radhesyamaji@yahoo.com.br


Verão de 1973. São 8:00, e embora a capital Washington DC esteja fervilhando de atividade, já que todos se apressam para o trabalho, um grupo de devotos da ISKCON também deixa seu templo, cruzando a Rua Q e indo para a Avenida Connecticut, um bairro comercial altamente povoado. Mas o trabalho deles é diferente: enquanto andam, eles cantam kirtan, um antigo estilo de responsório Védico de canto dos Santos Nomes de Deus.

De repente, um jovem camarada aparece de lugar nenhum, uma flauta enfiada embaixo do braço e um longo cabelo vermelho escorrendo atrás dele enquanto  corria o mais rápido que podia tentando alcançá-los. Os devotos estavam surpresos e encantados.

Então, assim que ele estava quase os alcançando, o jovem rapaz perde uma de suas sandálias de dedo. Os devotos mostraram-lhe que ele deveria voltar e pegá-la, eles o esperariam. Mas ele recusou. De forma nenhuma ele arriscaria perdê-los ou não participar de até mesmo alguns segundos do kirtan.

Ele se junta ao grupo de kirtan e naquele mesmo dia se muda para o templo. O nome do jovem camarada é Eddie – mais conhecido dos devotos da ISKCON ao redor do mundo como Aindra Dasa – e daquele dia em diante ele nunca mais parou de cantar Hare Krishna. 


Descobrindo a Música do Mundo Espiritual

Tendo crescido em Haymarket, Virgínia, nas décadas de 1950 e 1960, Eddie Striker era um artista faz-tudo desde cedo, pintava, desenhava e fazia seu próprio ornamento. Mas era a música que estava mais perto de seu coração.

Ele era de uma família musical – seu pai se apresentou com grupos bluegrass, sua mãe tocava harpa e seu irmão era um baixista. Eddie, de sua parte, amava Jimi Hendrix e era afeiçoado pela guitarra elétrica.

Então, quando sua família se separou em 1971 ele se mudou para Chevy Chase, Maryland, foi para a guitarra que ele se voltou, tocando com uma séria de bandas e começando a fazer um nome para si.

“Mas ele sempre teve um espírito que estava além da vida mundana que ele estava vivendo até ali,” diz seu irmão, John. “Não demorou muito para que ele visse o bastante da vida das estrelas do rock e para onde isto levava – a morte de Jimi Hendrix foi um golpe singular para ele – e ele sabia que havia um buraco que precisava ser preenchido pelo espiritual, não pelo material.”

Descobrindo a música bastante diferente do mundo espiritual, Eddie mudou-se para o templo da ISKCON em Washington, D.C. e logo depois, em fevereiro de 1974, no auspicioso dia da instalação de Sri Sri Gaura Nitai e do aparecimento do Senhor Nityananda, ele foi iniciado pelo fundador da ISKCON Srila Prabhupada e tornou-se Aindra Dasa. Embora seu pai estivesse zangado com essa mudança drástica em sua vida, o irmão menor de Aindra estava feliz por ele e alegre que ele havia encontrado sua vocação.

“Eu tinha apenas nove ou dez anos, mas quando ele nos visitava ele me trazia o Bhagavad-gita e outros escritos e estes lindos pôsteres,” diz John. “Meu quarto tinha coisas de Krishna por todo lado. Muitas vezes ele me trouxe tambor e cimbalos e nós tocávamos e cantávamos. Ele já era um líder espiritual naquela época porque ele me conscientizou de outras coisas além do modo agnóstico em que fomos criados e me abriu para meu próprio caminho espiritual.”

De volta ao templo, Aindra tornou-se conhecido também como erudito pregador – ele se juntou a todos os outros na distribuição de livros nas ruas, adorava falar com os visitantes no Festival de Domingo semanal e estava sempre buscando por um modo de espalhar a consciência de Krishna.

Seu singular humor e amor por kirtan também emergiram cedo. “Nossos visinhos costumavam reclamar sobre nosso Mangal Arati Kirtan de 4:00,” diz Jagara Dasa que também serviu no templo de D.C. na década de 1970. “Mas quando Aindra puxava o canto – o que ele fazia muitas – ele tinha a restrição necessária para manter o kirtan aonde ele precisava ficar para que a polícia, que se sentava do lado de fora, não entrasse e nos desse uma grande multa.”


Inaugurando o Kirtan 24-Horas

Mais tarde, Aindra tornou-se um sacerdote de Radha-Madhan Mohan e Gaura Nitai e tocaria harmonium entre os serviços, logo trabalhando sua primeira melodia: a canção curta de Bhaktivinode Thakura Jaya Radha Madhava.

Ele continuou a praticar e sua habilidade e amor por kirtan cresceu. Mudando-se para a cidade de Nova Iorque ele converteu um caminhão no que se tornou um ornado templo dourado. Seu som adquirido lhe permitiu ir para diferentes partes da cidade onde ele poria seu caminhão e realizaria kirtan por oito horas ao dia. Suas performances eram impactantes, inspirando várias pessoas a entrarem na ISKCON.

Finalmente, Aindra decidiu que gostaria de tentar organizar o programa de kirtan na Índia. Viajando para a terra natal do Senhor Krishna em 1986, ele aprendeu a história do programa de Kirtan 24-Horas do Krishna Balarama Mandir. Ele tinha sido primeiro introduzido em 1975 pelo fundador da ISKCON Srila Prabhupada – mas, sem a administração apropriada, ele começou a esmorecer, e por volta de 1978, um ano depois que Prabhupada partiu, ele parou.

Aindra decidiu dedicar-se ao projeto. Ele começou a absorver a atmosfera de Vrindavana, conectar-se com outros kirtaniyas e a aprender a música clássica indiana ou ragas, ensinando a si próprio as melodias tradicionais de ouvido. E oito anos depois que o Kirtan 24-Horas tinha desaparecido ele o reconstituiu como um departamento próprio, organizando um grupo núcleo de entusiastas de kirtan para garantir sua continuidade.

O Kirtan 24-Horas do Krishna Balarama Mandir tem ocorrido sem parar, 24-horas por dia, 365 dias por ano, desde então.


Alguém Que Verdadeiramente Se Importa

Não havia como negar a austeridade do programa e por isso Aindra escolheu homens para sua equipe que, assim como ele, agüentariam em todas as condições.

A posição da sala do templo, próxima à um pátio, e os “kirtaniyas” – a maioria estudantes celibatários, conhecidos como brahmacharis – tinham que tolerar o impiedoso clima de Vrindavana: seus verões sufocantes, com temperaturas subindo até 45 graus Celsius (113 Fahrenheit) e suas frias noites de inverno.

Como os dezesseis homens do Departamento ainda fazem agora, eles dormem no chão ou em beliches simples na Escola Internacional de Vrindavana, em quartos com paredes rebocadas com esterco de vaca. Eles guardavam todos os itens pessoais em uma prateleira. Naqueles tempos eles nem mesmo tinham ar condicionado. Tudo o que tinham era o Nome do Senhor Krishna.

E o kirtan era a vida deles. Os membros de tempo integral faziam (e ainda fazem) seis horas de kirtan todo dia, como também cantam Hare Krishna em suas contas de japa por duas horas. Cada um deles pegava dois, dos turnos de três horas do Kirtan 24-Horas, que começa 1:00 e segue continuamente. O kirtan segue mesmo durante os serviços do templo tais como oferecimentos de aratis e aulas, com kirtaniyas cantando suavemente “japa kirtan” em suas contas de orações.

Madhava Dasa, um devoto da segunda geração, que agora viaja o mundo, tanto sozinho quanto com sua banda de bhajan Gaura Prema, fazendo kirtan, estava entre os primeiros membros do Departamento, tendo entrado quando ele tinha apenas dezoito anos.

“Aindra Prabhu era tudo para mim: um pai, uma mãe, um guru,” ele diz. “E ele me ensinou muitas lições valiosas. Logo que eu comecei, eu tinha muita energia e ego e pensava que eu era o melhor mridanguista. Ele me punia por isso constantemente, duas ou três horas por dia literalmente. Eu achava que ele estava sendo severo demais comigo e finalmente eu disse, ‘Aindra Prabhu, você ache outro mridanguista – eu tocarei kartals.’

“Mas ele respondeu, ‘Não, eu quero que você toque mridanga e Radhe Shyam também quer. Eu estou fazendo isto apenas para seu próprio bem — se você ouvir o que eu digo, você irá longe em seus kirtans.’ Eu concordei em tentar e sacrificar meu ego e depois daquilo o kirtan com Aindra Prabhu tornou-se muito doce. Algumas pessoas não gostavam do Aindra porque ele era muito pesado, mas eu apreciava sua franqueza e honestidade e falta de superficialidade. Quando ele era pesado comigo eu pensava ‘Nossa, aqui está alguém que realmente se importa comigo.’”


A Revolução do Kirtan

Aindra e Madhava tornaram-se uma equipe unha e carne. “Aqueles foram os melhores anos de minha vida, os mais lindos kirtans,” diz Madhava. “Eles estavam perfeitamente no humor adequado. Eu aprendi com o Aindra que o kirtan não é para impressionar ninguém — é nossa forma de expressar nossos sinceros sentimentos por Radha e Krishna e Srila Prabhupada e nossa gratidão por ser capaz de executar kirtan e nos conectarmos com nosso único abrigo.”

Madhava acredita que esta abordagem do kirtan foi o que fez os álbuns que se seguiram tão poderosos. Primeiro veio o álbum duplo Chintamani Nama Parts 1 e 2. Depois veio o primeiro álbum “Vrindavana Mellows”.

“Com a tecnologia muito básica disponível em Vrindavana e os freqüentes cortes de energia outros poderiam ter ido gravar em um estúdio em Delhi,” diz Madhava. “Mas Aindra queria gravar Vrindavana Mellows em Vrindavana. Ele disse que cada kirtan feito em Vrindavana é mil vezes mais poderoso do que um kirtan feito em qualquer outro lugar e que ele queria dar Vrindavana para os devotos ao redor do mundo.”

Levou seis meses para gravar Vrindavana Mellows Part 1, mas quando ele finalmente apareceu, em 1993, ele arrebatou o mundo dos devotos e criou o que Madhava chama de “uma revolução do kirtan.”

“Aqueles álbuns mudaram tudo”, diz o amigo e colega de Madhava, Gopala Dasa, da segunda geração de devotos, que tem feito parte do Kirtan 24-Horas desde 2000. “Antes deles, o modelo antigo, da década de 1980, o estilo de kirtan um-dois-três predominava. Vrindavana Mellows introduziu uma abordagem mais clássica em acordo com os padrões básicos Gaudiya Vaishnavas — com mais diferentes variedades de ritmos, toques de karatala e melodias raga.”

Vrindavana Mellows Partes dois e três se seguiram em 94 e 95, inspirando muitos devotos a se juntarem ao Kirtan 24-Horas em Vrindavana e encarar o kirtan mais seriamente do que antes.

Possivelmente, os mais entusiásticos receptores desta dádiva foram os da segunda geração da ISKCON, conhecidos como gurukulis.

“Nós crescemos fazendo kirtan — isto está em nosso sangue”, diz Madhava. “E nós encontramos em Aindra um espírito assemelhado, alguém que amava kirtan tanto quanto nós amávamos. Mas nós também encontramos alguém em quem podíamos tomar abrigo, uma figura paterna. Nós o amávamos. Sempre havia um bando de gurukulis rodeando-o, tocando mridanga e kartals e cantando. Ele mudou nossas vidas.”

Este amor também era reciprocado por Aindra. Depois de mais quatro álbuns – o álbum gravado espontaneamente ao vivo Kirtan is Our Bhajan, o de 1996 Prayers to the Dust of Vraja e o de 1998 Vraja Vilasa Partes 1 e 2  - e sete anos com o Kirtan 24-Horas, Madhava finalmente foi para o quarto de Aindra para dizer-lhe que ele partiria para se casar e começar uma família.

“Havia lágrimas em seus olhos,” lembra-se Madhava. “Ele disse, ‘Eu treinei você e agora você está me deixando.’ Eu lhe disse, ‘Aindra Prabhu, você encontrará alguém.’ Ele disse. ‘Sim, mas eu nunca acharei alguém como você.’ Então ele me disse para cantar Hare Krishna onde quer que eu fosse, mesmo se eu tivesse que cantar para as quatro paredes. E, porque muitos gurukulis amam kirtan mas não gostam de cantar suas japas (canto meditativo), ele acrescentou, ‘Certifique-se de cantar  suas dezesseis voltas por dia, de outro modo seu kirtan não terá nenhum poder.’”

“Faça Tantos Kirtans 24-Horas Quanto Possível”

Agora, vivendo na Suíça, Madhava continuou a manter contato com Aindra ao longo dos anos e continuou recebendo muitas destas instruções, incluindo justamente a última, durante uma Conversa por Skype em 16 de Julho de 2010.

“Eu estava prestes a embarcar em dois kirtans 12-horas seguidos, liderando o Festival de Ratha Yatra em Toronto, Canadá, e eu lhe pedi suas bênçãos,” diz Madhava. “Sua última instrução pra mim foi, ‘Por favor, vá em frente e faça tantos kirtans 24-horas ao redor do mundo quanto possível.’”

Justo no dia seguinte, Madhava recebeu a chocante notícia de que Aindra tinha partido em Vrindavana, enquanto adorava suas Deidades.

“É muito duro pra eu digerir” diz ele agora. “Eu sentirei saudades dele pelo resto de minha vida. Mas ele viverá para sempre em seus kirtans e em suas instruções. Eu estou tentando seguir sua última instrução a mim fazendo kirtans 24-horas por todo o mundo: Nós faremos um em New Vraja Mandala na Espanha em 13 e 14 de agosto, um no Peru em 25 e 26 de setembro e um em Alachua, Flórida, neste Novembro. E claro, muitos outros devotos estão também mantendo festivais de Kirtan 24-Horas e eventos ao redor do mundo.”

Madhava se comprometeu também a participar do kirtan 24-horas original de Vrindavana por um mês todo ano, num futuro próximo. “Eu encorajo outros devotos a também sacrificarem qualquer tempo que eles possam todo ano a satisfazer a missão de Aindra e de Srila Prabhupada,” ele diz. “Agora que o pai se foi, é o verdadeiro teste para as crianças mostrarem seu amor por kirtan e nosso amor por Aindra Prabhu.”

A razão adoece daquele que diz que Vaishnavas morrem,
Quando tu estás ainda vivo em som!
Os Vaishnavas morrem para viver, e vivem tentando
Propagar os santos nomes em todo lugar.

--Srila Bhaktivinode Thakur

Nota do Autor: As informações, datas e relatos aqui são o mais preciso que eu pude apresentá-los dentro do curto tempo disponível para submeter este artigo. Eles foram dados a mim pelas pessoas citadas e eu apresentei suas palavras tão fielmente quanto possível. Muitos agradecimentos a Padma-Malini Dasi pela sua história sobre o primeiro encontro de Aindra com os devotos.



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